quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Crônicas que ninguém quer ler-Parte II

O viciado em Crack e sua ladainha


Andava então pelo lado sujo da cidade, que toda cidade no mundo tem seu lado sujo. Se faltam viciados em drogas anti-sociais, não há uma cidade no mundo que não tenha o seu bêbado. Me veio a cabeça aquelas comunidades mórmons, menonitas e outras aberrações da natureza humana, mas essas não valem: deixaram de ser humanos.
Passeava eu, vendo aquelas dezenas de crianças sujas que conseguem rir porque não ainda não tem consciência do futuro miserável que as espera, e mesmo porque mataram o Papai Noel e agora ele não ilude mais ninguém. O Papai Noel fez muita criança infeliz. O bairro pobre não tem nada de romântico como querem os poetas e compositores do povo. O bairro pobre é sujo, é ignorante, é preenchido por esgoto em cada lacuna, você sente a vida ordinária que aquelas pessoas levam: comer, fuder e morrer. Que droga de vida essa.
Entro em um bar. Bêbados por toda a parte, a decadência humana em progressão geométrica.Peço uma cerveja, o dono do bar com suas mãos engorduradas do último salgadinho servido. Recuso o copo e tomo no gargalo, que dizem ser um dos locais mais imundos em um recipiente. Mas não consigo ver as bactérias e por isso não tenho medo. Talvez a fórmula da eternidade esteja nesses bares: contamina-se tanto com a sujeira  que acaba-se imunizado contra a morte. Digo bem, contra a morte e não contra a velhice, essa na verdade vem mais rápida aqui. Passa uma mulher em seus trinta e poucos anos, vestida em um shorts preto, notadamente sujo , e com uma camisa de onde percebiam-se seus mamilos de mulher muito usada. Mas ela ainda consegue chamar a atenção dos homens deste bar. Ela entra , vem ao balcão, para ao  meu lado e pede uma cachaça. Olha para mim fingindo um charme que é mais do que lógico que ela não possuía, acenei com a cabeça e ela me retribuiu com um sorriso. O bom de se estar no bairro pobre é que mesmo um cara feio como eu consegue ser cortejado. Só aqui mesmo.
Foi ridículo ver ela tomar aquela cachaça de cinqüenta centavos em um copo imundo onde dezenas de igualmente imundos beberam o dia todo e lavado com displicência pelo dono do bar, ela bebendo a cachaça  como se estivesse tomando um whisky caríssimo. Dei mais um gole na minha cerveja e abandonei o cortejo à mulher. Ela percebeu o meu desinteresse e foi  se sentar em uma mesinha do canto. Deprimente. Pedi outra cerveja e fui sentar na mesa da mulher dos mamilos flácidos e tristes. Pedi licença como um bom cavalheiro do subúrbio, ela consentiu  ainda no seu teatro de mulher com escolhas a fazer. Eu estava interessado naquele cérebro de mulher post-mortem. Ela achava que eu estava interessado nela, no seu corpo obeso, sujo e cheio de defeitos que o mundo moderno e rico não permite,deus seja louvado. Eu jamais conseguiria ter uma ereção com uma mulher dessas, talvez para isso inventaram aquele comprimido azul.
  
Rápido e sucinto perguntei a ela por que razão ela ainda não havia se suicidado. Ela me responde com um lugar-comum qualquer, mais do que esperado. Pensei em oferecer a minha cerveja com a esperança de que ela quebrasse o gargalo ao tomar e engolisse um monte de vidro, cortando sua garganta, sujando o chão do bar com o seu sangue muito provavelmente infectado por alguma doença de pobre, mas nesse devaneio surge a irritante presença de um viciado em crack.
Porra! Era só o que faltava para completar o cenário dessa peça medonha que ninguém quer ver. Nada mais insuportável do que um viciado em crack que vai pedir dinheiro para poder comprar uma das pedras do dia.
É claro que ele vem até a minha mesa. Nem vou citar a lei de Murphy, veio porque ainda não está grudada em mim como distintivo a decadência dos habitantes locais. O viciadinho começa a sua cantoria de gentilezas a minha pessoa. Eu pronto para sacar alguma moeda , mas resolvi me divertir com aquela irritação. Perguntei à ele, por que ele não criava vergonha na cara e ia trabalhar como Jesus Cristo havia ensinado. Ele me responde, dizendo que tinha vergonha mas era doente (a mulher dos mamilos flácidos e tristes se levanta e vai pegar outra cachaça de cinqüenta centavos), era doente e tinha vergonha. Perguntei qual a quantidade necessária para se morrer de overdose de crack, ele disse que não sabia, que certa vez ficou fumando durante dois dias seguidos e no máximo ocorreram náuseas. Temos um problema, pensei. Eu queria matar esse viciado, matá-lo com o seu próprio remédio que na verdade era uma doença. Por fim, me cansei do viciadinho, dei dois reais, alguém no fundo do bar falou que não era para eu ter feito isso, quase que grito que o dinheiro era meu e eu fazia o que me dava na telha com ele, mas fiquei quieto, afinal de contas sou fraco e não estava com vontade de tomar uma surra hoje. O viciadinho saiu do bar, correndo para a boca mais próxima e seu prazer de 15 segundos, a mulher acabou não voltando a sentar-se  na mesa, me levantei fui até ela e perguntei novamente por que causa ela ainda não havia se suicidado e ela me respondeu com um sonoro “vai se fuder”, aí percebi que ela ainda não havia se suicidado porque ela possuía raiva suficiente dentro dela para continuar vivendo.





Um comentário:

  1. Interessante a crônica. E forte também. Sente-se uma vibe bukowskiana nela.

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