quarta-feira, 28 de março de 2012

Grandes Discos que muita gente diz ter ouvido, mas bem poucos se lembram ou na verdade, não o ouviram mesmo, parte III

Lou Reed - "Transformer"




A época era o início dos anos 70 e a moda entre a garotada londrina era ser andrógino e se declarar bissexual (claro, moda entre os que podiam se dizer que acompanhavam a 'nova tendência´). Na verdade, poucos eram realmente bissexuais, na verdade era algo mais para chocar as velhas gerações, na igualmente velha atitude juvenil de confrontação. Pois bem, essa foi a época glam, que traduziu-se na música no assim chamado glam rock , que teve em David Bowie, T.Rex, Roxy Music, Slade, Lou Reed e New York Dolls entre os maiores nomes do gênero. Lou Reed, vindo do grupo que inventou o garage art rock, Velvet Underground, 'virou' glam devido a ajudinha da então rainha do glam, o cantor inglês David Bowie. Depois da saída do Velvet, Reed estreou em sua carreira solo com um disco sem muita identidade, parecendo que havia utilizado sobras de seu antigo grupo. Bowie então, conhecedor do talento de Reed, o convida a ir para Londres e produz para ele (juntamente com o guitarrista de Bowie, Mick Ronson) o discaço "Transformer", um dos grandes títulos do glam rock, na verdade eu acho o menos afetado do movimento, tanto nas letras como na postura. O disco começa com "Vicious", que até lembra o Velvet. A seguinte, "Andy´s Chest" também começa a la Velvet, mas repentinamente os backing vocals colocam devidamente o disco no universo glam. A terceira "Perfect Day", é decididamente proibida se o ouvinte estiver na fossa: começa com apenas piano e bateria, então as cordas entram e Reed canta, "Oh, que dia perfeito/ estou contente por passá-lo com você/ e graças a você vou suportando a tudo", cantado com uma ponta de desespero. A quarta, "Hangin' Round", um eficiente glam rock e seu refrão grudento fundado sobre um piano que vai sendo martelado (remetendo quem sabe a Jerry Lee Lewis?), seguida da belíssima "Walk on the Wild 
Side", um verdadeiro convite a rebeldia e seu verso chave "Ei, querido, dê uma volta no lado selvagem". Depois, uma das minhas prediletas "Make Up" que usa uma tuba fazendo a linha de baixo, que dá um tom de sisudez à música, mas a letra fala sobre alguém que se maquia muito (não dá para precisar se é um homem ou uma mulher, vai de acordo com o gosto do cliente) e Reed a chama de "garotinha esperta". A sétima música também é uma preciosidade, "Satellite of Love", que na estrutura musical lembra bastante as músicas do Bowie na época, e que entre onomatopéias "Bum-Bum-Bum" fala que "satélite sobem para o céu/ essas coisas me fazem pirar/ eu vi um pouco disso na TV/ eu gosto de olhar coisas na TV", um papo obviamente chapadaço. A minha predileta vem então "Wagon Wheel", um riff delicioso, que começa acústico e em crescendo vai tomando conta calmamente da música. O início "você não vai ser meu suporte/ você não me disse, como você se sente?" e após isto, um simples e assaltante vocal feminino canta "falei, falei" e Reed começa a dissertar sobre a relação. "New York Telephone Conversation", construída sobre os acordes tocados com desleixo no piano, como se estivesse sendo cantado após um jantar de domingo em uma reunião familiar, seguida de "I'm so Free", quase um manifesto do glam "Sim, eu sou um filho da mãe natureza/ E sou o único/ faço aquilo o que quero e o que eu quero é o que vejo/ Coisas que só poderiam acontecer comigo". O álbum termina realmente se despedindo, com "Goodnight Ladies", com a banda tocando como se estivesse fechando o bar e só alguns bêbados restassem no salão.


Para quem quer conhecer o melhor do glam rock, este álbum é essencial. (e mesmo para quem não quer conhecer o glam rock, mas apenas para apreciar uma boa música pop)


Link para download: https://rapidshare.com/#!download|218p7|53648730|Transformer.zip|65943|R~DF073EBCE61DB3DD9B881BC5E5E5A94C|0|0

terça-feira, 20 de março de 2012

Crônicas que ninguém quer ler, Parte III


O rapaz bonito e seu carro importado

Sentei no banco a beira-mar, para contemplar ninguém. Me senti confortável nessa posição de espectador neutro. Se há uma coisa boa na vida é ser neutro. As mulheres da Avenida beira-mar são lindas, são criaturas modeladas de acordo com o padrão que o mercado criou: óculos de sol da moda, roupas da moda, bucetas da moda. Elas fazem o seu trottoir, exalando seus perfumes de fêmeas disfarçados em qualquer odor que custam mais da metade do meu salário. Elas farejam os homens , que igualmente sucumbiram ao padrão que o mercado criou: fortes, bronzeados, e se não forem isso, ao menos que tenham um bom carro. Eu não tenho carro, eu ando a pé e de ônibus e por isso as mulheres me evitam, já que além de não ter carro eu também não sou forte, nem bonito. Sou inteligente, mas a inteligência na Escala Richter do sex-appeal é um pouco acima do zero. Mas fazer o quê. Eu poderia ter nascido além de pobre e feio , burro, e olha que existem milhões nessa situação , por isso não posso reclamar.
Confortável nessa situação adquirida de pobre e feio, porém inteligente, continuei ali sentado. Nisso, na vaga do estacionamento a minha frente , um carrão é colocado. Eu jamais terei um carro assim. O mais provável é que eu jamais venha a ter carro algum, mas dá para sonhar com os 1.0, que esse qualquer mané igual a mim consegue comprar hoje em dia, mas esse carro importado eu sei que jamais terei, não acredito em milagres e se eles acontecem são só com pessoas que eu nem sei se existem, ergo milagres não existem.
O carro importado é estacionado. Dá para imaginar quantas pessoas no mundo poderiam ser alimentadas com o valor do carro, mas também não adianta pensar nelas, que ninguém vai deixar de andar no seu carrão para alimentar alguns miseráveis perdidos em algum lugar sujo nesse mundo que dizem ser de um deus. Não só bastasse ser um carrão e sai dele um rapaz de seus vinte e poucos anos, com uma beleza padrão passarela. Claro, me senti um lixo. Eu que achava que não ligava mais para isso, me senti um lixo, não posso negar a minha natureza de macho, me senti diminuído ali por aquele espécime que 100 entre 100 mulheres no mundo prefeririam a ser fecundadas por ele e não por mim.
Então para aumentar o meu complexo de inferioridade de feio e pobre, o rapaz resolve ficar encostado ao seu carro. De frente a mim. È mais do que óbvio que ele não quer competir comigo, para competir comigo basta uma moto de 125 cilindradas. Ele parou ali e vai se exibir as fêmeas. Resolvi sair, mas resolvi ficar. O fundo do poço ainda está muito longe.
E passam as mulheres e olham para o rapaz bonito do carrão importado. E quando em dupla, ou em grupos, passam e comentam em sorrisinhos umas as outras. Comecei a me sentir confortável, pois era totalmente ignorado: tive a sensação de ser um homem invisível.
E passam mulheres , e passam mulheres acompanhadas com seus maridos barrigudos que se sentem rapidamente ameaçados pelo rapaz bonito, mas eles olham para suas mulheres já sem o viço das grandes belezas que desfilam pela praia e sabem que o rapaz bonito do carrão importado não vai querer nada com elas, e passam as mulheres remexendo os cabelos para exalar algum feronômio a ser sentido, e o rapaz ali, quieto, somente para  ter o prazer de ser admirado. Meu cérebro investigativo da natureza humana não resiste, vou até e ele e lhe pergunto qual é a sensação de ser tão cobiçado pelas mulheres, sensação essa que eu jamais terei. Não é que o rapaz começa um diálogo citando Nietzsche, Wittgenstein, Schoppenhauer e outros nomes alemães polissílabos? O cara ainda por cima era inteligente pra caramba. Era demais pra mim. Antes de me despedir falei: Cara, Deus deve te amar de paixão, né?

quarta-feira, 14 de março de 2012

Grandes discos que somente meia-dúzia ouviram, Parte VI

John Prine- "John Prine" (1971)


Eu não gosto de música country. Sempre me parece a mesma melodia e a mesma letra, com alguma variação aqui e acolá. Então quando fui baixar esse álbum de 1971, de um cantor/compositor que desconhecia por completo, já fiquei esperando algo que escutaria uma única vez e 'até logo e até nunca mais'. Surpresa para mim: John Prine mesmo sendo um cantor country, é bem além do gênero, mas sem fugir por completo da raiz deste. As letras são narrações sobre o cotidiano e sobre o mundo, frequentemente com um viés de protesto e melodicamente é muito interessante. Suave, mas incisivo. Em "Ilegal Smile", como o próprio título evoca, o narrador canta no refrão "Mas felizmente eu tenho a chave para fugir da realidade";  a tristeza de se envelhecer, corajosamente em "Hello in There", " Todos sabemos que velhas árvores vão ficando cada vez mais fortes/ e velhos rios vão ficando cada vez mais selvagens/ as pessoas idosas apenas crescem solitariamente/ esperando que alguém as diga "E aí, como vai?"", algo nada comum na tradicional música country. Um conformismo retirado do Eclesiastes (meu livro predileto da Bíblia, por sinal) em "Pretty Good": "Está tudo muito bem, mas na verdade, está como sempre esteve". Uma repulsão a juventude hippie da época em "Quiet Man", "Você tem novidades para mim/ Eu não tenho nada para você/ Não venha descarregar sua tristeza em mim/  Vá em frente e faça seja lá o que quiser fazer".  O drama dos veteranos de guerra (na época o Vietnã estava no auge), em "Sam Stone", que canta "Mas a morfina alivia a dor". Há também protesto anti-envolvimento dos EUA nas guerras mundo afora, "Your flag decal 
won´t get you into heaven anymore", um belíssimo tapa na cara do americano médio patriota "Seu adesivo da bandeira não o levará mais ao céu/ ele já está lotado por causa da sua guerrinha suja/ Agora Jesus não gosta mais de matanças (Excelente Ironia!), não importa qual que causa seja/ Então seu adesivo da bandeira/ não o levará mais para o céu". Minha predileta é "Flashback Blues", e este verso genial "fotografias sorridentes/ retiradas entre os tempos ruins".  Não bastasse todas estas preciosidades líricas, a música também é excelente. 


Recomendo, sem dúvida alguma.




 Link para download: http://www.4shared.com/rar/vcINo2Jr/John_Prine_-_John_Prine__1971_.html?

quarta-feira, 7 de março de 2012

Grandes Discos que somente meia-dúzia ouviram, Parte V

Fela Kuti- Live! with Ginger Baker


Fela Kuti é um músico nigeriano que misturou como ninguém os sons da África Ocidental com o ritmo de James Brown, ou seja, ele fez o ritmo africano natal encontrar seu filho mais famoso, o afro-americano. Neste álbum ele traz a pareceria de Ginger Baker, baterista do super-trio Cream (uma das bandas da vida de Eric Clapton), em uma gravação ao vivo (e por isso com algumas deficiências na 'mixagem'). As duas primeiras faixas, "Let´s Start" e "Black Man's Cry" possuem uma das coisas mais fascinantes que já escutei na música pop: um seção rítmica que é milimetricamente repetida (a linha do baixo ficou grudada na minha cabeça durante semanas). Se você prestar bastante atenção, vai perceber que todas as batidas (que não são poucas), inclusive as de semi-colcheia e além, são repetidas com uma exatidão assombrosa, algo que só apareceria na música eletrônica (e com a ajuda do computador). Impossível resistir a esta seção, você pode ser o sujeito mais absorto do mundo, mas assim que o baixo/bateria/percussão começam a trabalhar, no mínimo seus pés acompanharão o compasso hipnótico. E sobre essa seção, improvisos jazzísticos e vocais primais, uma economia que só valoriza o conjunto. As duas outras faixas, "Ye Ye De Smell" e "Egbe Mi O", primam mais pelo arranjo e solo, mas sem perder a sonoridade de Fela Kuti  (nelas o bateirista Baker dá um show, como de costume).

Um disco imperdível para quem quer conhecer algo novo e de qualidade primorosa.

Link para download: http://www.4shared.com/rar/QuCcsjUc/fela_kuti_-_1972_-_live_with_g.html?