quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Excertos Literários praticamente desconhecidos, Parte II

Preâmbulo às instruções para dar corda ao relógio
-Julio Cortazar-

Pense nisto: quando dão a você de presente um relógio, estão dando um inferno enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar. Não dão somente um relógio, muitas felicidades e esperamos que dure porque é de boa marca, suíço com âncora de rubis; não dão de presente somente esse miúdo quebra-pedras que você atará ao pulso e levará a passear. Dão a você- eles não sabem, o terrível é que não sabem-, dão a você um novo pedaço frágil e precário de você mesmo, algo que lhe pertence mas não é o seu corpo, que deve ser atado a seu corpo com sua correia como um bracinho desesperado pendurado a seu pulso. Dão a necessidade de dar-lhe corda todos os dias, a obrigação de dar-lhe corda para que continue a ser um relógio; dão a obsessão de olhar a hora certa nas vitrinas das joalherias, na notícia do rádio, no serviço telefônico. Dão o medo de perdê-lo, de que seja roubado, de que possa cair no chão e se quebrar. Dão sua marca e a certeza de que é uma marca melhor do que as outras, dão o costume de comparar seu relógio aos outros relógios.

Não dão o relógio, o presente é você, é a você que oferecem para o aniversário do relógio.

(extraído de "Histórias de Cronópios e de Famas", p.36, Ed.Círculo do Livro, 1985)