quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Crônicas que ninguém quer ler, Parte I

Um ônibus Lotado

Andando de ônibus, hora de movimento (não quis escrever hora do rush  porque esse termo está muito batido). Ao entrar, o veículo popularesco ainda consegue me oferecer alguns lugares, infelizmente compartilhados com alguém que invariavelmente faz cara de mau-humor para que ninguém vá se sentar ao lado delas. Achei uma senhora de seus 50 e alguns anos, com cara de poucos amigos é claro. Também estou pouco me lixando, o ônibus é um veículo compartilhado, se quer viajar sozinho que compre um carro. Sento-me esperando o inevitável: essa lata vai encher ao limite do aceitável. Eu sei disso, porque esse é o meu cotidiano. No rádio do veículo está tocando um tipo de música que o motorista pensa que todos estejam gostando, por isso coloca em um volume absurdo. Sertanejo Universitário, essa é uma das maiores piadas que os anos 2000 puderam inventar. Travestiram o country norte-americano, e rotularam de universitário. O mau gosto agora já é acadêmico. E vai tocando essa música, cujas letras possuem só dois temas: mulher que foi embora ou festa para esquecer a mulher que foi embora. Uma melodia pobre e suas rimas de 1ª conjugação e lotadas de sufixos ão  para rimar com coração. Eu mereço isso por não me esforçar mais na vida. Eu mereço isso. Colhe-se o que se planta.
Agora já há várias pessoas em pé. Viajar em pé é uma desgraça, não pelo desconforto físico, mas sim porque você não tem a janela para olhar e não precisa ficar olhando para o rosto dos outros. Quando você viaja em pé em um ônibus lotado, você tenta desviar os olhos dos outros desafortunados e só o que consegue são outros olhos igualmente tentando desviar dos seus olhos. Mas hoje estou sentado. Mas o diabo não dorme em serviço.Uma mulher gordíssima chega até o meu lado e sua barriga gigante começa a roçar o meu braço. Recolho o meu braço mais para dentro, no que faz ela pensar que possui mais espaço para espalhar sua carne gordurosa e novamente começa a se encostar em mim. Meu braço já está quase junto ao outro. Me levanto e ofereço meu lugar a essa baleia para que pelo menos não fique encostando em mim. Ela agradece e ainda se sai com “nossa, que gentil”, mal pensa a  Lady Pounds  que se alguém aqui fez uma gentileza, foi ela. Abaixo a cabeça e tento olhar janela afora. O ônibus agora já está lotado o que torna dificílima  a tarefa de sair dele. Já fico desejando uma colisão frontal com um caminhão a 120 km/h, um banho de sangue e manchete em telejornais de cobertura nacional. E tenho quase certeza que eu seria um dos óbitos. Pena, não vou poder escutar a 1ª Sinfonia do Mendelssohn novamente...passado o desejo, escuto o som que faltava: uma criança chorando. Sempre há uma criança chorando, tanto é que sei que muitos vão dizer ser um lugar-comum eu escrever aqui que havia uma criança chorando. Vocês têm razão: é lugar-comum mesmo. Mas ela estava lá, chorando seu choro de notas agudas, desesperando a mãe naquela preocupação de estar irritando os outros passageiros, no que ela também tem razão: está irritando todo mundo, não só pelo som estridente, mas porque reafirma a condição de pobreza de todos os passageiros. A criança quer ter seu desejo atendido e por isso chora, ela não se importa de estar incomodando dezenas de pessoas. A mulher ao lado da mãe e sua criança soprano, tenta agradar a criaturinha com alguma careta no que obtém algum sucesso, mas não creio que aquele bebê esteja desejando rir. Mas parou de chorar. A mulher toda orgulhosa por ter conseguido aquela façanha, talvez agora deseje ter uns 450 filhos.

Minha parada se aproxima. Pego o meu facão imaginário e começo a abrir caminho no meio dessa selva de pessoas infelizes.
Espremido e espremendo vou me dirigindo a saída, onde devem ter umas 989 pessoas, já que mesmo aqueles que vão sair somente quando o ônibus já estiver vazio, se aglomeram ali na frente, creio que vêem aquela porta como uma espécie de passagem do inferno para o paraíso, e por isso não a abandonam. Após o desconforto final, desembarco na minha parada. Aqui fora está longe longe longe de ser o paraíso, mas o inferno acelerou e foi embora. 

Até amanhã.



Um comentário:

  1. Hehehe... todos nós já nos pegamos em difíceis viagens de ônibus. Descreveste causticamente bem como uma pode ser.

    Até amanhã.

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