terça-feira, 20 de março de 2012

Crônicas que ninguém quer ler, Parte III


O rapaz bonito e seu carro importado

Sentei no banco a beira-mar, para contemplar ninguém. Me senti confortável nessa posição de espectador neutro. Se há uma coisa boa na vida é ser neutro. As mulheres da Avenida beira-mar são lindas, são criaturas modeladas de acordo com o padrão que o mercado criou: óculos de sol da moda, roupas da moda, bucetas da moda. Elas fazem o seu trottoir, exalando seus perfumes de fêmeas disfarçados em qualquer odor que custam mais da metade do meu salário. Elas farejam os homens , que igualmente sucumbiram ao padrão que o mercado criou: fortes, bronzeados, e se não forem isso, ao menos que tenham um bom carro. Eu não tenho carro, eu ando a pé e de ônibus e por isso as mulheres me evitam, já que além de não ter carro eu também não sou forte, nem bonito. Sou inteligente, mas a inteligência na Escala Richter do sex-appeal é um pouco acima do zero. Mas fazer o quê. Eu poderia ter nascido além de pobre e feio , burro, e olha que existem milhões nessa situação , por isso não posso reclamar.
Confortável nessa situação adquirida de pobre e feio, porém inteligente, continuei ali sentado. Nisso, na vaga do estacionamento a minha frente , um carrão é colocado. Eu jamais terei um carro assim. O mais provável é que eu jamais venha a ter carro algum, mas dá para sonhar com os 1.0, que esse qualquer mané igual a mim consegue comprar hoje em dia, mas esse carro importado eu sei que jamais terei, não acredito em milagres e se eles acontecem são só com pessoas que eu nem sei se existem, ergo milagres não existem.
O carro importado é estacionado. Dá para imaginar quantas pessoas no mundo poderiam ser alimentadas com o valor do carro, mas também não adianta pensar nelas, que ninguém vai deixar de andar no seu carrão para alimentar alguns miseráveis perdidos em algum lugar sujo nesse mundo que dizem ser de um deus. Não só bastasse ser um carrão e sai dele um rapaz de seus vinte e poucos anos, com uma beleza padrão passarela. Claro, me senti um lixo. Eu que achava que não ligava mais para isso, me senti um lixo, não posso negar a minha natureza de macho, me senti diminuído ali por aquele espécime que 100 entre 100 mulheres no mundo prefeririam a ser fecundadas por ele e não por mim.
Então para aumentar o meu complexo de inferioridade de feio e pobre, o rapaz resolve ficar encostado ao seu carro. De frente a mim. È mais do que óbvio que ele não quer competir comigo, para competir comigo basta uma moto de 125 cilindradas. Ele parou ali e vai se exibir as fêmeas. Resolvi sair, mas resolvi ficar. O fundo do poço ainda está muito longe.
E passam as mulheres e olham para o rapaz bonito do carrão importado. E quando em dupla, ou em grupos, passam e comentam em sorrisinhos umas as outras. Comecei a me sentir confortável, pois era totalmente ignorado: tive a sensação de ser um homem invisível.
E passam mulheres , e passam mulheres acompanhadas com seus maridos barrigudos que se sentem rapidamente ameaçados pelo rapaz bonito, mas eles olham para suas mulheres já sem o viço das grandes belezas que desfilam pela praia e sabem que o rapaz bonito do carrão importado não vai querer nada com elas, e passam as mulheres remexendo os cabelos para exalar algum feronômio a ser sentido, e o rapaz ali, quieto, somente para  ter o prazer de ser admirado. Meu cérebro investigativo da natureza humana não resiste, vou até e ele e lhe pergunto qual é a sensação de ser tão cobiçado pelas mulheres, sensação essa que eu jamais terei. Não é que o rapaz começa um diálogo citando Nietzsche, Wittgenstein, Schoppenhauer e outros nomes alemães polissílabos? O cara ainda por cima era inteligente pra caramba. Era demais pra mim. Antes de me despedir falei: Cara, Deus deve te amar de paixão, né?

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